terça-feira, 24 de maio de 2011

remontando o quebra-cabeças


De cachecol xadrez ela andou por aquela rua interminável. Não conseguia ver o horizonte, só olhava pra baixo para não tropeçar. Nunca fora desastrada, desengonçada, mas ultimamente estava mantendo sua cabeça no mundo da lua e toda atenção era pouca para não tropeçar. Acabara de levar um tombo, não precisava de mais um. Apesar de inteira, por dentro seu quebra-cabeças estava todo desmontado. Cabeça no lugar do coração, coração sem saber pra onde ir, pensamentos e sentimentos totalmente embaralhados. E o que ela podia fazer?

Foi num dia como outro qualquer, que o telefone tocou. Ligação inesperada, ela achou que fosse bom. Tola mania de achar que surpresas sempre são positivas. Era ele, seu atual pica-pau. Vivia martelando em sua cabeça, mas ela não se incomodava com isso. Ele disse que precisava vê-la, que era urgente. Ela não se preocupou, afinal, o que poderia acontecer de ruim? Tudo andava tão bem. E marcaram de se ver. Dezenove horas, no bar da esquina. Cerveja barata, perto de casa, se animasse não perderiam muito tempo até chegar no quarto.

Ela chegou primeiro, claro. Era daquele tipo pontual que não se atrasa por nada. Chega antes mas não chega atrasada. Escolheu uma mesa, do lado de fora para curtir a brisa, mas um pouco mais recolhida, não precisava do olhar de todos. E então imaginou a chegada dele. Quem sabe com um buquê de flores bem coloridas, ou talvez somente uma margarida. Visualizou também uma caixinha de chocolates ou somente um bombom? Ficou ali viajando tanto que não viu quando ele realmente chegou e sentou a sua frente.

Com um semblante estranho, um olhar triste. Parecia confuso e apesar de distante, passava a sensação de querer estar perto. Ela sacou na hora que tinha algo errado. Aquele não era o rapaz por quem ela havia se enfeitiçado. Era solitário, temeroso. E ela havia visto alegria, diversão, companheirismo. Sem compreender o que via, presos no silencio do olhar, permaneceram assim por quase 10 minutos. Sem desviar, tentando se decifrar. Aflita, ela foi perguntar, mas então ao mesmo tempo ele desembestou a falar.

"Não sei o que fazer. Minha cabeça não para de pensar e eu não sei que caminho seguir. Sei que são direções opostas e eu preciso tomar uma decisão. Estou totalmente perdido". Foi aí que ela entendeu tudo. Entendeu porque não reconhecera aquele homem que sentara a sua frente. Dúvidas. Dúvidas são traiçoeiras, nos levam para lugares que não queremos ir, nos perturbam e transformam. Apesar de serem necessárias, se não formos valentes, elas nos devoram. Consomem quem somos e tudo muda.

Ela já previa o fim. E como se tudo tivesse se iluminado e feito sentido, ela sorriu. Já sofrera demais para se precipitar. Aprendeu a ter paciência e principalmente a respeitar. Ele falou mais um pouco, pediu uns dias. Ela respirou fundo, e dessa vez abriu sorriso sincero. Já sabia como aquilo iria terminar, era uma questão de tempo. Tempo. Quanto tempo ela estava disposta a esperar?

E ao relembrar daquele dia, as peças do quebra cabeça calmamente foram voltando ao lugar. Não exatamente iguais, porque quando a gente cai, a maneira que nos erguemos nunca é a mesma. Mas tudo estava encaixado de novo e agora restava aprender a lidar com esse novo formato.

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